Lei Maria da Penha: 13 anos de luta pelas mulheres

Por Jacyara CristinaRedação Por Redação - 07/08/2019 09:10
Maria da Penha ficou tetraplégica após tentativa de feminicídio pelo ex-marido (Foto: Reprodução/ Facebook/ IMP)
Maria da Penha ficou tetraplégica após tentativa de feminicídio pelo ex-marido (Foto: Reprodução/ Facebook/ IMP)

 Em 1983, Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte de Marco Antonio Heredia Viveros, seu ex-marido. Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia, deixando-a paraplégica. Quatro meses depois, quando Maria da Penha voltou para casa, após duas cirurgias, internações e tratamentos, ele a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho. Ela percebeu antes e fugiu com as filhas. Denunciou o marido e ele não soube sustentar sua versão sobre o assalto. Mas foi apenas depois de 19 anos e apelações a órgãos internacionais que a justiça foi feita e ele preso.

Foi a partir daí que, há 13 anos, considerando que uma das recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH) foi reparar Maria da Penha tanto material quanto simbolicamente, o Governo Federal batizou a lei com o seu nome como reconhecimento de sua luta contra as violações dos direitos humanos das mulheres.

Em 7 de agosto de 2006, a lei de número 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada. 

Conforme ainda se verifica atualmente, foi preciso tratar o caso de Maria da Penha como uma violência contra a mulher em razão do seu gênero, ou seja, o fato de ser mulher reforça não só o padrão recorrente desse tipo de violência, mas também acentua a impunidade dos agressores.

A lei

Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, ela cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal (art. 226, § 8°) e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro (Convenção de Belém do Pará, Pacto de San José da Costa Rica, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher). Leia aqui a lei na íntegra.

Números assustam

Os números assustam e provam a importância da lei no Brasil, que ocupa o 5º lugar no ranking mundial de violência contra a mulher. Por aqui, uma mulher é assassinada a cada duas horas. O feminicídio está incluído nessa estatística.

Na Paraíba, em relação aos crimes contra a vida de mulheres de janeiro a julho de 2019, foram contabilizados 41 casos. Dentre os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) de mulheres ocorridos este ano, no mesmo período, 18 se caracterizam como feminicídios. Os dados são da Secretaria de Segurança do estado.

Uma versão do Anuário da Segurança, divulgado no começo deste ano, mostrou que a Paraíba ocupou o 19º lugar entre os estados onde mais morreram mulheres em 2017, com uma média de pouco mais de 100 vítimas por ano. Foram 3,7 mortes para cada 100 mil habitantes. Não foi informada a posição que o estado ocupou nacionalmente em 2018.

O caso mais recente aconteceu nessa terça-feira (6). Foi a vez de Rosinete Martins da Silva, 44 anos, virar estatística. Ela foi assassinada a tiros pelo companheiro, de quem havia se separado há uma semana, em Juazeirinho, a 190 km da Capital. O homem, que não aceitava o fim do relacionamento, cometeu suicídio logo após o crime.

Conquista feminina e participação do Estado

Para a delegada Maísa Félix, coordenadora das delegacias da mulher da Paraíba, a lei é uma conquista da população feminina e é um reconhecimento por parte do Estado. “São diversos avanços que a Lei Maria da Penha traz. Ela define o que é violência doméstica e familiar contra a mulher, além de tipificar como física, psicológica, sexual, moral, que podem ser praticadas juntas ou separadamente. Ela traz que o enfrentamento à violência é responsabilidade do Estado. Na PB, com a lei, temos a criação dos juizados especiais e o crescimento das instalações das delegacias especializadas, que já somam 14”, explicou.

Medo de denunciar

“A mulher tem o medo de denunciar porque ela está no ciclo da violência e não consegue sair. Por isso é tão importante o primeiro atendimento à mulher quando ela decide denunciar, porque ela quebra o ciclo nesse momento. Muitas vezes escutamos que ela voltou à convivência, e aí sabemos que ela não conseguiu sair. É uma questão cultural, tem a questão emocional, econômica, a presença dos filhos. Não é fácil quebrar esse ciclo. Mas é preciso enfrentar essa resistência. Precisamos denunciar, fortalecer isso”, endossa a delegada paraibana.

‘Em briga de marido e mulher, deve-se meter o faqueiro’

“Número 197. Aqui você denuncia e não precisa se identificar. Basta ter o nome da vítima, o nome do agressor, um pequeno histórico do que houve e o endereço, que é fundamental. Quando a sociedade faz isso e participa, nós diminuímos e muito a violência contra a mulher e o número de feminicídio cai. Em um primeiro momento, achamos que não devemos meter a colher, mas devemos meter o faqueiro inteiro. Temos que quebrar esse tabu de que não se deve meter em briga de marido e mulher. A sociedade tem que se conscientizar. Então, caso veja um conhecido, um parente ou qualquer pessoa sendo vítima, denuncie”, alertou a delegada Maísa Félix.

Ciclo da violência

De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Apesar da violência doméstica ter várias faces e especificidades, a psicóloga norte-americana Lenore Walker identificou que as agressões cometidas em um contexto conjugal ocorrem dentro de um ciclo que é constantemente repetido.

Fase 1: Aumento da tensão

Nesse primeiro momento, o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva. Ele também humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos.

A mulher tenta acalmar o agressor, fica aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As sensações são muitas: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão são apenas algumas.

Em geral, a vítima tende a negar que isso está acontecendo com ela, esconde os fatos das demais pessoas e, muitas vezes, acha que fez algo de errado para justificar o comportamento violento do agressor ou que “ele teve um dia ruim no trabalho”, por exemplo. Essa tensão pode durar dias ou anos, mas como ela aumenta cada vez mais, é muito provável que a situação levará à Fase 2.

Fase 2: Ato de violência

Esta fase corresponde à explosão do agressor, ou seja, a falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento. Aqui, toda a tensão acumulada na Fase 1 se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial.

Mesmo tendo consciência de que o agressor está fora de controle e tem um poder destrutivo grande em relação à sua vida, o sentimento da mulher é de paralisia e impossibilidade de reação. Aqui, ela sofre de uma tensão psicológica severa (insônia, perda de peso, fadiga constante, ansiedade) e sente medo, ódio, solidão, pena de si mesma, vergonha, confusão e dor.

Nesse momento, ela também pode tomar decisões − as mais comuns são: buscar ajuda, denunciar, esconder-se na casa de amigos e parentes, pedir a separação e até mesmo suicidar-se. Geralmente, há um distanciamento do agressor.

Fase 3: Arrependimento e comportamento carinhoso

Também conhecida como “lua de mel”, esta fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos. Em outras palavras: ela abre mão de seus direitos e recursos, enquanto ele diz que “vai mudar”.

Há um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de atitude, lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência entre vítima e agressor.

Um misto de medo, confusão, culpa e ilusão fazem parte dos sentimentos da mulher. Por fim, a tensão volta e, com ela, as agressões da Fase 1.

Medidas recentes na PB com base na lei 

Programa Mulher Protegida

Em 2013 foi criado o Programa Mulher Protegida, congregando a Secretaria da Segurança e da Defesa Social, seus órgãos operativos, e ainda Secretaria da Mulher e Diversidade Humana, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Pública, que abrangem três vertentes imprescindíveis para aumentar a proteção das mulheres vítimas de violência: prevenção, fiscalização e procedimento legal visando à punição dos agressores.

Patrulha Maria da Penha

No início de março deste ano, o Governo assinou um termo de cooperação técnica com o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB) para implantação da PMP. As ações em conjunto são desenvolvidas pela Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana em parceria com a Secretaria de Segurança e Defesa Social (Sesds), por meio da Polícia Militar, Polícia Civil, Coordenação das Delegacias Especializadas de Mulheres. Em maio, as equipes de profissionais, entre policiais militares, civis e profissionais da rede de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e sexual, passaram por curso de formação para atuarem no atendimento.

O serviço começa funcionando nesta quarta-feira, 7 de agosto, em 27 cidades da Paraíba, incluindo a região metropolitana de João Pessoa, de segunda a segunda, em regime de plantão com equipe multiprofissional e efetivo de 30 PMs e 20 policiais civis. A patrulha realizará um trabalho ostensivo preventivo para acompanhar mulheres em situação de violência doméstica e familiar e de monitoramento do cumprimento das medidas protetivas de urgência e medidas judiciais contra os agressores.

Dentre as atividades, a PMP fará a triagem, o atendimento inicial, reconhecimento da área que a mulher aponta como risco à sua integridade física e/ou psicológica, realização de visitas periódicas, quando serão realizados todos os procedimentos e encaminhamentos para que a mulher fique em segurança, rotas de monitoramento dentro de um perímetro arbitrado pela Justiça, ações educativas, encaminhamentos à rede de serviços, fomentar o fluxo de comunicação entre as mulheres assistidas, Delegacias da Mulher e Distritais e o Poder Judiciário, entre outras. A patrulha contará com Equipe Multiprofissional (Advogadas, Assistente Social e Psicólogas), além do efetivo da PM.

Segundo o comandante da Companhia Especializada de Apoio ao Turista (Ceatur), major Bruno Lima, todos os veículos a serem entregues são novos e vão ajudar no patrulhamento nas praias e locais turísticos da Capital.

‘Ônibus Lilás’ – PMP

A unidade móvel de enfrentamento da violência contra mulher no campo, chamado de “Ônibus Lilás”, será utilizada por equipes de profissionais da Patrulha Maria da Penha.

Ônibus Lilás (Foto: Divulgação/Secom-PB)

O transporte, cedido pela Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana, foi totalmente reformado pelo Comando Geral da Polícia Militar. A unidade móvel é um ônibus adaptado e equipado com sala de atendimento e toda estrutura necessária para acolhimento das mulheres.

Maria da Penha Vai às Escolas

A Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas Para as Mulheres (SEPPM), em parceria com a Secretaria de Educação e Cultura (Sedec), lança a cartilha Maria da Penha Vai às Escolas, nesta quarta-feira (7), às 9h, no auditório do Centro Cultural Ariano Suassuna, do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O evento marca a passagem dos 13 anos da Lei Maria da Penha e, entre outros pontos, visa discutir a violência doméstica e suas implicações no seio da família e no ensino.

De acordo com a secretária das Mulheres, Adriana Urquiza, o evento objetiva reunir a rede municipal de ensino (professores, especialistas e diretores) para ampliar e aprofundar o conhecimento destes profissionais acerca da temática da violência doméstica e suas diversas formas de manifestação.

Aplicativo com ‘botão do pânico’ 

Depois de ver os números alarmantes de violência contra mulher, um empresário paraibano criou o aplicativo de denúncias ‘SOS Mulher PB’, que é gratuito. Com apenas um toque, as usuárias podem acionar a polícia no botão do pânico.

Condenado em Lei Maria da Penha tem nomeação vedada

Pessoas condenadas pela Lei Maria da Penha não poderão ser nomeadas para cargos em comissão na Paraíba. É o que determina a Lei Nº 11.387/2019, de autoria do deputado Raniery Paulino, sancionada pelo governador do Estado, João Azêvedo (PSB).

Segundo o Art. 1º da Lei Nº 11.387/2019, fica vedada a nomeação, no âmbito da administração pública direta e indireta, bem como em todos os Poderes do Estado da Paraíba, para todos os cargos em comissão de livre nomeação e exoneração, de pessoas que tiverem sido condenadas nas condições previstas na Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha – criada para coibir a violência doméstica e familiar contra mulher.

Para efeitos da lei estadual, a vedação aos cargos em comissão será atribuída apenas para condenados em trânsito em julgado, isto é, quando não cabem mais recursos por parte dos réus.

OAB vai negar registro a homens agressores de mulher

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu, no dia 18 de março deste ano, que qualquer homem com histórico envolvendo violência contra mulher não terá a carteira de advogado emitida pela instituição, o que valerá para todas as cidades do país.

Conforme a presidente da Comissão da Mulher Advogada na Paraíba, Mônica Lemos, a decisão ainda não está implantada, uma vez que a proposta seguirá para assinatura e publicação e ainda não há previsão para que comece a valer.

“A OAB se posiciona no sentido de dizer que não aceita agressores em seus quadros, mais do que isso, manda um recado para a sociedade de que tal conduta, cada vez mais será rechaçada, rejeitada. Não toleramos mais qualquer tipo de agressão,” declarou a presidente.

Segundo ela, quando a decisão começar a ser praticada, as análises sobre o histórico de cada homem se dará através das consultas aos órgãos competentes. Mônica disse ainda que o Boletim de Ocorrência registrado pelas mulheres é o ‘pontapé’ inicial para todo o processo judicial que, por fim, penalizará o agressor.

Campanha em ônibus estimula denúncia

“#Nãosecale!”. Esta mensagem de incentivo à denúncia da violência contra a mulher circulará, a partir do mês de agosto, pelo trânsito de João Pessoa. A campanha será afixada no para-brisa traseiro de 20 ônibus coletivos, por meio da mídia ‘busdoor’, contendo, ainda, os telefones para denunciar casos de violência doméstica (180, 190 e 197).

Campanha é parceria entre Sintur e TJPB (Foto: Divulgação)

A iniciativa foi viabilizada por meio de convênio assinado no último dia 23 de julho pelo presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos, e pelo diretor institucional do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano do Município de João Pessoa (Sintur), Isaac Júnior Moreira.

O documento assinado prevê a realização de campanhas institucionais de cunho educativo, que tenham como escopo o esclarecimento da sociedade sobre a Lei Maria da Penha, a serem disseminadas através de peças publicitárias elaboradas sob responsabilidade do TJPB e afixadas nos denominados busdoor, observada a legislação vigente.

Fundação do IMP

Com a fundação do Instituto Maria da Penha (IMP), uma organização não governamental e sem fins lucrativos, Maria da Penha segue o seu trabalho de dialogar com diversos setores da sociedade e promover ações de enfrentamento à violência contra a mulher.

Também exerce pressão junto às autoridades (advocacy) para que haja o total cumprimento da Lei n. 11.340/2006; a uniformidade de sua aplicação, evitando interpretações pessoais dos operadores do Direito e a garantia de todos os direitos reconhecidos nas convenções e declarações assinadas pelo Estado brasileiro.

“A luta para inibir, punir e erradicar toda e qualquer violência de gênero faz parte da trajetória de Maria da Penha”.


 


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