Colunista Irapuan Sobral

  • AÍ tem Forró

    13/04/2025

     Depois de lançar, juntamente com o parceiro Demétrius Faustino, o excelente álbum de estúdio Jatobá, Irapuan Sobral traz, de dentro do universo digital, este novo trabalho sobre seus poemas, utilizando a inteligência artificial para arranjos, vozes e melodias.

    O título já vem com uma mensagem: AÍ tem Forró. Como a querer dizer que o forró (aqui como símbolo universal da música nordestina) não teme enfrentar este novo mundo, como já o fez em outras oportunidades, desde que Luiz Gonzaga libertou essa cultura popular do filtro dos rádios dos ‘coronéis’, divulgando-a para todos. Para ele, a IA é pentecostal.
    A capa do álbum bem traduz isso, com seus traços rudimentares, cores fortes destacadas e a face que se desenha sobre um pandeiro usando um triangulo, um fole, um zabumba e um chapéu de couro. Um trabalho assinado pelo seu irmão Neto Sobral.
    Como sempre acontece com a música de raiz, os poemas escolhidos tocam a alma na libertação pelo ouvido, como uma canção divina.
    A primeira música, Saudade (cujo poema é dedicado ao pai do autor), é literalmente cortante, como são as homenagens a Rainha do Xaxado, Marinez, ao grande Antônio Barros, com Céu do Xenhenhém, e a Zé Tomaz, um tocador de fole da sua Jatobá, São José de Piranhas, a doce cidade natal, essa referência que segue homenageada por Irapuan, de uma forma sublime em Meu Pé de Jatobá, Sertão de Jatobá (que é uma espécie de ‘forraxé’- mistura de forró com Axé), Poço Cajueiro, Tanto Mais e o gostosíssimo Forró em Jatobá, onde ele desfila pelas noites de sua amada terra.
    O Sertão, como um lugar de ser, merece estar no disco, na canção homônima, que é uma referência de saudade e nostalgia.
    Nesse ambiente telúrico, há duas jóias extraídas do íntimo amor à terra, agora à Paraíba: em Para ir bê a bá e Paraíba, céu de sol, cantos de louvor à pequenina, tão grande em história e tradição. Ele insiste que o céu bebe estrelas no mar da Paraíba, cuja cor é turmalina.
    Como o disco é todo de forró, Irapuan inventou de circular o forró de universo e o universo de forró, sem temor. Parece uma insistência dele esse querer que o mundo seja essa colcha de retalho que Deus criou sem se repetir em nada: tudo é diferença integrando-se. Por isso, têm duas faixas com forrós em inglês e francês (Repto e La Nostalgie (essa, a última, traduzindo ao modo a primeira música do álbum: Saudade). Repto parece que pode pegar pela chamada provocativa: ‘If you give it all back to me’ (se você me devolver todo ou se você devolver tudo a mim). Parece que o autor mandou um forró ao estrangeiro para que ele voltasse cheio de mundo, mas voltasse forró.
    Os mistérios das canções aos amores deixam sempre uma pista que sai da praça de Jatobá e chega nas ruas de Paris, mas cobram um esforço para ser revelados. Nesse campo estão coisas boas de dançar agarradinho: como Mil Amores, Xaxado de Chachá, Forró ao Luar, Você é!, Previsões Róseas, Pretérito Imperfeito, Serra da Ilusão. Mas dançar lá nos forrós de Seu Moreno, no Alagamar, Expedito Barreto, na Barra, Dero, na Lagoa e Vitório, na Serra, lá no seu sertão – em Jatobá!
    Pro Riachão de Sá Mariinha, a sua avó, ele dedicou, como se falando com seus irmãos Oscar Sobral e Marah: Oscarzinho, Lembrar de Você, Estrada do Riachão e Cancelas. É de se escutar – viajando.
    Com Gente de Mim, Irapuan se provoca, trazendo do fundo da memória as imagens de pessoas que eram tratados como ‘doidas’, à sua época de criança; e ele pinta essa tela com o seu olhar infantil completamente distinto. Onde se viam ‘doidos’, ele põe acento e vê ‘doídos’.
    Forró ao luar parece que descende da sonata de Beethoven, exigindo um estado de transe e uma boa companhia para ser ouvida.
    Em A Meta da Liberdade, o trabalho chega no apogeu da ideia: ‘Quem escolhe a liberdade como meta vai sofrer de chegar eternamente.’
    Graças a Deus que Irapuan Sobral vive esse sofrer, porque chegar pode pará-lo.
    É um álbum pra ouvir vivendo, como a música nordestina sobrevive resistindo ao tempo.

    Por Irapuan Sobral Filho

     

  • Uma louvação a Aranha: Titanomaquia

    15/11/2024

     Aranha sofre do mal da vanguarda; tudo nele renasce sempre e continuamente. A obedecer os manuais de clichê, nos quais afogamos-nos à moda, ele é dialético: muda sempre, qualitativa e quantitativamente.

    O que não estava na sua contabilidade vital era o carma mitológico: o tempo cobrando à ideia o pacto que celebrou com o céu: não ter sucessor. Aranha sofre dessa falta.

    O tempo finge capitular, e até transfere ao destino a sua cobrança, mas ele chega depois todo armado; e esse destino não antecipa as faturas, porque prefere cobrar a devedores insolventes.
    O que Chronos não conhece é a capacidade de Aranha não se repetir e conseguir viver de oportunidades; nele A IDEIA É OUTRA – sempre.

    Quando Chronos pensa em vencer a Titanomaquia, a ideia vaza, escapa, mesmo tendo que viver no retiro. Não há o mesmo Aranha, em nenhum momento. Daí que é impossível derrotá-lo.

    Aranha está no retiro, sem nenhuma necessidade piegas ou de comoção. Poderia estar se reiventando – ‘comme d’habitude’.

    Não será mais o criador dos festivais da canção, ou a origem da tropicália, ou o estudante das ruas contra a ditadura, ou o produtor de shows (os menos comerciais), ou o compositor, ou o poeta, ou o jornalista de verdades, ou o mágico que atrai e vê talentos.

    Creio que nem será o amigo enérgico na defesa das suas amizades. Comigo, ele foi determinante: Em princípios dos anos 80, permitiu-me publicar no vetusto e premiado ‘Correio das Artes’ alguns poemas. Depois, defendeu-me, de maneira aguerrida, de um atrevimento de alguém que, numa solenidade, zombava de minha indumentária.

    Creio que nem será o Aranha gerente público, como aquele que, nos ditos anos 80, promoveu um programa de apoio à cultura, sem decisões de alcovas ou muros ideológicos, cujo fim foi a música paraibana dos anos seguintes, pronta a ser exibida ao mundo.

    Aranha é Carlos Antônio Aranha, jornalista paraibano, um dos pilares da cultura local, e a personificação dos anos 60 (ainda como o sonho de época).
    Precisamos visitá-lo para reconhecê-lo.
    Obrigado.

    ‘Dixi et salvavi anima meam!’

  • JATOBÁ - Ao céu com alegria

    25/01/2021

     Jatobá

    Ao céu com alegria
    As duas ruas paralelas que cortam o centro da cidade de Jatobá de leste a oeste, partindo das laterais da igreja, são nomeadas em homenagem a dois adversários políticos: Inácio Lira e Juvêncio Andrade. Êmulos conspícuos, eles aprenderam a concorrer sempre a favor da cidade.
    Malaquias Barbosa, que dá nome à rua central perpendicular a essas duas outras referidas, era a síntese conciliatória desses dois coronéis da velha Jatobá.
    Numa esquina da Rua Juvêncio Andrade com Antônio Lacerda (que brigou com cangaceiros de Lampião afastando-o, para sempre, de Jatobá), estava, por sorte, o Bar de Seu Moisés, o coração da cidade. O Bar foi fundado graças ao palpite de João Cunha invertido por Vicente Pinheiro numa milhar do Jogo do Bicho.
    O coração de Jatobá não sobreviveu à despedida de Seu Moisés, depois de ‘percussionar’ por anos, tocando a Vida de todos.
    Dira, que sucedeu seu pai, Teodomiro de Brito, foi, quiçá puxado, romanticamente, pelo adversário, instado a mudar a antiga bodega para o ‘status’ de Bar, na esquina simétrica da mesma Rua Antônio Lacerda, desta feita com a Inácio Lira.
    E Dira transpôs o coração de Jatobá, e as artérias voltaram a pulsar, segundo as conversas de fuxico que os amigos propagam toda manhã.
    Na madruga de hoje, a cidade, com sintomas de bradicardia, não teve forças para erguer as válvulas do coração. Alguém acusou a demora e tentou despertar Dira de Teodomiro com massagens que batiam na janela. Já não era possível. O Gordo foi embora.
    Há mais Jatobá no céu do que na terra. Conterrâneos contemporâneos estão com pressa de chegar. Dira foi mais cedo.
    Ao céu com alegria!
    Aos amigos Tico de Joãozinho, Zé Ribamar, Romeu Antônio, Delânio, Berlânio, Zé Tomaz, Normando Bala e outros tantos que sofrem dessa cardiopatia.
     
     

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