Colunista Josival Pereira
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A vitória de Trump e a luta direita versus esquerda
15/11/2024Depois de algumas centenas de informações e dezenas de opiniões talvez já seja possível traçar observações minimamente aceitáveis sobre as eleições nos Estados Unidos.
No raso, conforme os parâmetros da atualidade, a vantajosa vitória de Donald Trump se configuraria como um arrasador triunfo da direita contra a esquerda, embora soe desconexo e estranho tratar o partido Democrata americano como uma agremiação de esquerda.
Numa simplificação estupidamente frouxa, aceite-se existirem atualmente apenas dois cordões políticos no mundo, caso em que as disputas estariam ocorrendo, sim, entre os movimentos de direita e esquerda, que talvez fosse mais apropriado classificar como movimento radical conservador e movimento progressista. Assim, a vitória de Tramp é do movimento conservador, conduzido pela ultradireita.
Poder da direita
Por que essa distinção seria importante? Para desenganar sobre a ideia que o poder no mundo no âmbito do sistema da chamada democracia ocidental sempre foi dividido entre esquerda e direita. Não é assim. Nunca foi dividido. O poder político nos Estados Unidos, assim como na maioria dos países que hoje integram a União Europeia, amplo território onde reina a democracia representativa, em todos os tempos, sempre foi ocupado pela direita capitalista. A esquerda socialista nunca governou os Estados Unidos da América.
Experiências da esquerda
As poucas experiências de poder da esquerda socialista e democrática (aquela que acredita chegar ao poder via eleições) estão praticamente concentradas na América Latina. Destaque-se, um pouco lá mais pra trás, o Chile de Salvador Allende, e repetidos governos após o fim da ditadura; no Brasil, a história de poder da esquerda é recente e se resume aos governos Lula e Dilma; no Uruguai existe a experiência de Pepe Mujica, além de governos no Equador, Bolívia, agora na Colômbia, entre outros, nas últimas 10 ou 15 anos.
O que isso quer dizer? Prova que o poder político no vasto território da democracia ocidental consolidada sempre foi da direita e que quase tudo do que se tem estabelecido nos Estados Unidos, América Latina e União Europeia foi construído pela direita, que hoje se debate para tentar desconstruir as poucas experiências de governos de esquerda.
Artifícios da ultradireita
Se existe novidade, são os artifícios utilizados por expressiva parte da direita política nos últimos anos para tomar o poder, a chamada ultradireita ou direita radical, cujo centro da ação do movimento mundial é sabotar a democracia e instruir regimes autocráticos., de força, crescentemente antidemocráticos.
Esse movimento da ultradireita radical mudou substancialmente a tônica do discurso e, sobretudo, o jeito de fazer política e campanhas eleitorais. É a partir deste ponto que se torna possível entender as razões e nuanças da vitória de Trump.
Fio de identidade
O principal eixo do jeito de fazer política da direita radical, que Trump usa e abusa, é o da geração de um poderoso fio de atração e identificação com o movimento. Veja-se o discurso de ódio, os ataques permanentes a adversários e a imprensa, além das críticas constantes ao sistema vigente ou ao governo. Essa tática gera identidade, gera liga, com multidões de cidadãos caminhando meio a esmo na complexa era digital.
As bandeiras de luta do movimento são também quase sempre identitárias. A principal bandeira de Trump na campanha foi o combate a migração, com promessas que beiram a violência e que dificilmente ele próprio as executará. A segurança tem sido outra bandeira infalível. Trump aprofundou esse discurso e deu certo. Criar identidade com o eleitor, é isso o que a esquerda moderna não está conseguindo fazer.
Mentiras à exaustão
O artifício usado em toda pregação política, especialmente nas campanhas eleitorais, é essencialmente o da repetição de mentiras, à exaustão, magistralmente difundido através das redes sociais. A imprensa americana registra amplamente as mentiras de Trump, mas não consegue estabelecer a verdade, e os adversários não conseguem desmascarar. A identidade de discurso plasma sentimento, gera credibilidade e as mentiras viram verdades. Foi com esse artifício que Trump venceu e é assim que a direita radical vai avançando no mundo.
Leitura dos problemas
Trump venceu a eleição americana também pelo artifício de identificar com clareza as fraquezas do governo vigente, que a ultradireita põe tudo na conta da esquerda, e localizar sentimentos particulares de determinados grupos sociais. No geral, por exemplo, foram decisivos a leitura que o custo de vida (elevado, no momento) era o principal problema de grande parte da população e o discurso de que Trump não entrou em guerra no seu primeiro governo. Lá no começo da campanha, enfraqueceu os democratas explorando a fragilidade física do presidente Joe Biden.
Trabalho de estrategistas
Destaque-se ainda o trabalho dos estrategistas que foram capazes, por exemplo, de identificar filões de voto entre os negros (homens mais idosos que continuam cultivando preconceito contra mulheres) e latinos, vítimas do discurso mais repleto de ódio de Trump, historicamente eleitores do Democratas. A brecha, no caso dos latinos, foi se comunicar com homens jovens que passaram a acreditar que barrar a migração, mesmo que repressivamente, é uma forma de proteger os migrantes já residentes nos Estados Unidos. Esses atalhos estratégicos, que ajudam a explicar a vitória de Trump, são amplamente usados pela direita radical. No Brasil, não são poucos os grupos sociais historicamente petistas sequestrados pelo bolsonarismo.
Nem direita nem esquerda
Mas nem tudo é tão favorável à direita radical na identificação de fatores que resultaram da vitória de Trump. Alguns cientistas políticos já começaram a identificar que a luta político-eleitoral nos últimos 10 anos ao redor do mundo não é exatamente entre direita e esquerda. Seria simplesmente entre governo e oposição. Pululam exemplos. Na oposição, Trump derrotou Hilary (Democratas no poder), perdeu para Biden no poder e agora, fora do governo, voltou a vencer. Na América do Sul, esquerda e direita se alternam no poder no Chile a cada eleição; no Perú, Equador e Bolívia houve alternância de poder entre esquerda e direita nas eleições recentes; no Uruguai a esquerda está prestes a voltar ao poder depois de perder para a direita em 2019; no Brasil também se registrou alternância e, na Argentina, o peronismo foi defenestrado do governo por um candidato da direita radical depois de algumas décadas. Na União Europeia também se registram alternâncias significativas e, sobretudo, importantes derrotas, até para a ultradireita, de partidos tradicionais acostumados com o poder. Do outro lado, a ultradireita tem deixado escapar o poder conquistado nas urnas, caso da Polônia, ou tem sofrido derrotas em eleições regionais onde está estabelecida no poder há muitos anos, como foi o caso de Erdogan, na Turquia.
Era da impaciência
Assim, vivendo uma era movida por sentimentos, o motor propulsor das mudanças seria a hipersensibilidade do cidadão-eleitor, que se posta extremamente impaciente com os governos postos.
Por Josival Pereira
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Polêmica sobre Cabedelo prenuncia problema para PSB e Cícero Lucena
07/07/2023Não se sabe se quando declarou, em Campina Grande, que o PSB exigiria reciprocidade de aliados do prefeito Cícero Lucena em Cabedelo para a disputa das eleições municipais de 2024, endossando a candidatura própria do ex-deputado Ricardo Barbosa, o governador João Azevedo tinha a noção de que estaria fazendo emergir problemas sobre sua aliança política em João Pessoa.
Ao longo do tempo, o governador sempre fez questão de dar declarações assegurando não haver dúvidas ou problemas para a manutenção da aliança com o prefeito Cícero Lucena e com o PP, não permitindo o surgimento de quaisquer questionamentos entre assessores e aliados. Parecia mesmo que o governador agia para sufocar qualquer insurgência de manifestações de descontentamentos em relação ao acordo celebrado para as eleições de 2020 ou o surgimento de outros planos de candidatura.
Por tudo que já disse e pelas ações e atitudes, não há como duvidar da posição e disposição do governador em relação a manutenção do compromisso com o projeto de reeleição de Cícero.
Todavia, o apelo à reciprocidade em Cabedelo, talvez bem natural para governador, parece ter destravado problemas represados no seio do PSB.
A questão Cabedelo acabou se avolumando. O próprio governador João Azevedo já foi obrigado a abordar o assunto novamente, agora admitindo buscar unidade, mas reafirmando, na frente Cícero, nesta terça-feira (4/7), que haverá disputa onde não houver acordo. Cícero também já falou duas vezes sobra a questão. Numa, refratário, disse não haver regras para alianças em municípios diferentes; noutra, receptivo, disse defender a unidade com o PSB em Cabedelo.
O prefeito Victor Hugo (Cabedelo) até já foi à público defender aliança com o PSB e o governador, mas fazendo duras críticas ao ex-deputado socialista Ricardo Barbosa.
O presidente estadual do PSB, deputado Gervásio Filho, refutou a ideia da unidade com o grupo do prefeito Victor Hugo e cobrou reciprocidade direta do prefeito Cícero Lucena. Chegou a dizer que, em 2020, atendendo pedido direto de Cícero, o PSB deixou de lançar candidatos a deputado federal em João Pessoa para não atrapalhar Mersinho Lucena, tendo deixado de trabalhar para eleger dois deputados federais. O maior interessado, Ricardo Barbosa, também cobra a reciprocidade do grupo do prefeito Cícero Lucena e faz duras críticas ao prefeito Victor Hugo e o deputado federal Mersinho Lucena se manifesta afirmando que sua missão é unir novamente o governador João Azevedo e o prefeito Victor Hugo. De repente, bastante confusão onde, aparentemente, reinava a paz.
Parece um caso isolado, mas não é. Esse salseiro em Cabedelo talvez diga muito sobre João Pessoa. As cartas ainda não estão na mesa, mas, provavelmente, onde mais o PSB vá cobrar reciprocidade será na própria capital.
A reciprocidade em Cabedelo não é a única cobrança a Cícero. No início da semana, o presidente da legenda na capital, Tibério Limeira, adiantou que a aliança não será celebrada sem discussão prévia de um plano de governo para a segunda gestão. A questão é melindrosa porque pode acentuar divergências e não se chegar a entendimentos sobre muitos pontos.
A evidência clara, nesse momento, a partir desse ensaio de Cabedelo, é que a aliança entre PSB e PP para o projeto de reeleição em João Pessoa, não será tão pacífica quanto em 2020. Naquela quadra, Cícero procurava ansiosamente por um esquema político para ser candidato, João buscava um candidato e o PP queria crescer na capital. Houve a mais perfeita junção da fome com a vontade de comer. Quase nenhuma discussão, pouquíssimos compromissos. Agora não. A realidade é outra.
Depois das eleições estaduais, o governador e o PSB estão fortalecidos; Cícero avalia que, no cargo, tem mais cacife, e o PP acredita que tem um trunfo para as articulações, que é o vice-governador Lucas Ribeiro. Todos ficaram meio bicudos. Então, há muito mais dificuldades para se beijarem, ou seja, para a satisfação de todos os interesses políticos. Os problemas podem estar apenas começando.
Por Josival Pereira
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Gervasio Filho, Cícero e 2024: pontos e contrapontos
19/01/2023Uma declaração do presidente estadual do PSB, Gervasio Filho, no início da semana, numa entrevista ao jornalista Luís Torres, afirmando que seu partido teria candidato a prefeito em João Pessoa, acabou em polêmica, como quase tudo na Paraíba.
O prefeito Cícero Lucena e alguns aliados enfrentaram a declaração de Gervasio com deboche, insinuando que ele estaria tocado de ciúmes por causa da relação do gestor municipal com o governador João Azevedo, que é do PSB.
Outros resolveram trazer logo o governador para debate político, sugerindo ao presidente socialista que indagasse logo a João Azevedo se o PSB deveria lançar candidato ou se preferia manter a aliança com o prefeito Cícero Lucena para a disputa das eleições do próximo ano?
No momento, muito provavelmente, o deputado Gervasio Filho ficaria em desvantagem, uma vez que existem manifestações do governador, logo após sua reeleição, reafirmando a aliança com Cícero e existe uma clara aproximação entre as duas gestões no anúncio de obras e serviços para a Capital. Observe-se, porém, que as declarações do presidente estadual do PSB não estão fora de propósito, considerando as disputas partidárias no Estado e no Brasil.
O quadro que Gervasio está observando se desenhar é o de outros partidos se estruturando e ganhando força para as eleições de 2026 usando exatamente as eleições para prefeito como trampolim. São os casos do Progressista do prefeito Cícero Lucena, do Republicanos de Hugo Motta, do PSDB de Pedro Cunha Lima e Ruy Carneiro, e dos grupos do campo da direita conservadora. Todos planejam lançar candidatos a prefeito em João Pessoa e nas grandes cidades para acumular capital eleitoral para a disputa das próximas eleições estaduais. Óbvio.
E qual é a estratégia do PSB? O governador João Azevedo já não poderá disputar o governo. Poderá querer disputar uma vaga de senador. Sim, mas o partido vai simplesmente abrir mão de disputar o governo? E já de agora? O Progressista tem o vice-governador, que poderá assumir o governo e disputar o cargo maior, e quer manter a Prefeitura de João Pessoa. O Republicanos planeja disputar as Prefeituras da Capital, de Campina Grande, Patos e onde for possível? E o PSB vai disputar o quê?
Para o governador João Azevedo, não será difícil se inserir, individualmente, nesse tabuleiro de disputas, se quiser ser candidato a senador. Pode contemplar o PSB. Mas, e se o governador decidir ficar no cargo até o fim do mandato, o PSB não vai lançar candidato a governador? E cadê os quadros? Não seria interessante testar e preparar nomes nas eleições municipais?
Para o deputado Gervasio Filho, enquanto dirigente partidário, esses são os pontos e contrapontos a serem considerados. Se o PSB não se cuidar, vai chegar em 2026 com uma mão na frente e outra atrás, como diz um axioma da sabedoria antiga. Politicamente, é claro. Talvez Gervasio Filho não esteja com ciúmes nem querendo atrapalhar alianças. O problema é que o jogo para 2026 se anuncia bruto e muitos correm risco de desclassificação já na primeira fase.
Por Josival Pereira