MERCADO DE TRABALHO - Discussão sobre escala 6x1: afinal, jornada reduzida funciona no Brasil?
Por Redação
- 17/11/2024 23:39 - 59651
Foto Reprodução - Montagem: Sistema 1001 Notícias de Comunicação
Christian Evangelista, 19 anos, iniciou sua trajetória profissional no ano passado com uma jornada de 44 horas em regime 6x1 — trabalha seis e folga um dia na semana —, e dá detalhes de como foi o período. “Eu trabalhei por um ano na escala 6x1, como caixa de supermercado. Uma jornada extremamente exaustiva, que não deixa temp
o suficiente para cumprir demandas pessoais e contribui para o vício em substâncias como álcool, cigarro e outras drogas. Desenvolvi burnout, e piorou minha depressão. A experiência foi péssima, mas acredito que eu só tive a oportunidade de sair disso porque minha casa era bem sustentada pelo meu marido, que viu que aquilo estava me fazendo mal”, relata.
Morador do Riacho Fundo 1, ele trabalha, atualmente, como auxiliar administrativo em uma imobiliária, cumprindo 40 horas semanais em jornada 5x2. “A escala 5x2 é boa, pois de segunda a sexta as coisas fluem bem e geralmente dá para fazer coisas pessoais no sábado e o que dá no domingo, eu distribuo bem entre esses dois dias. A escala 5x2 pode ser mais leve, mas também exaustiva. Porém, comparada à 6x1, ela é muito mais benéfica. Acredito que este é um começo, e que a escala 4x3 ainda é, de certa forma, utópica”, compartilha o brasiliense.
Assim como Christian, muitos trabalhadores brasileiros vêm se manifestando em todo o país sobre a escala de trabalho reduzida. Isso porque o tema tem ganhado atenção após a apresentação de uma proposta de emenda à Constituição que reduz a jornada máxima de 44 para 36 horas semanais. A ideia surgiu do vereador eleito do Rio de Janeiro, Rick Azevedo, que criou o Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), defendendo o fim da escala 6x1. A proposta foi protocolada pela deputada federal Erika Hilton, líder do Psol na Câmara dos Deputados, em 1º de maio deste ano, marcando o Dia do Trabalhador.
Barreiras
Apesar de representar uma iniciativa inovadora e que tenta avançar em prol da qualidade de vida do trabalhador, segundo Watson Silva, advogado especialista em direito trabalhista, há complexidades envolvidas. “O principal desafio reside na adaptação de setores cuja operação depende de continuidade, como saúde, segurança e transporte. O modelo 6x1 é amplamente utilizado para garantir que tais atividades não sejam interrompidas, e migrar para uma estrutura diferente, o 4x3 por exemplo, pode exigir uma readequação na quantidade de profissionais, aumento de custos e, consequentemente, na estrutura das escalas e contratações. Além disso, as mudanças feitas na jornada de trabalho impactam diretamente a folha de pagamento, as contribuições trabalhistas e o planejamento de turnos, o que exige um estudo cauteloso sobre o impacto econômico e de produtividade”, explica.
Sobre essas preocupações, Renata Rivetti, fundadora da Reconnect Happiness At Work, empresa especializada em felicidade corporativa e liderança positiva, afirma que é necessário, sim, um processo de adaptação, mas que, no fim, o saldo é positivo para todos. “Temos visto em comércios fora do Brasil atuando numa semana de 4 dias a redução do turnover (rotatividade), das licenças-médicas, do absenteísmo. Então, no final, esses custos que são invisíveis, muitas vezes, acabam compensando esse investimento de ter um time adicional. Para ter a escala de quatro dias por semana, a empresa, de fato, tem de contratar mais pessoas, mas tem compensado financeiramente e, claro, as pessoas são mais engajadas, mais motivadas no trabalho, têm mais saúde mental e bem-estar. Então, a longo prazo, a gente entende que o modelo funciona, também, para o comércio”, analisa a diretora.
Projeto-piloto
As conclusões da gestora foram feitas com base no projeto-piloto de quatro dias úteis no Brasil realizado pela 4 Day Week Global e Boston College, em parceria com a Reconnect Happiness at Work, com foco inicial no aumento de produtividade. “A gente abriu as inscrições em agosto de 2023, tivemos 21 empresas inscritas. E começamos mesas de planejamento até o final do ano passado para que as empresas pudessem entender o que fazer para, de fato, implementar a semana e manter a metodologia do projeto, que é 100-80-100: trabalhar mantendo 100% dos salários, 100% dos resultados, mas trabalhando 80% do tempo”, detalha.
Em janeiro de 2024, as empresas começaram efetivamente a semana de quatro dias, passando por adaptações, mudanças e tentando entender como seria a ideia na prática. “Algumas fecharam na sexta-feira, mas a maioria acabou fazendo escalas entre o time. Em junho, a gente finalizou o projeto e, em julho, a gente fez a pesquisa final que obteve excelentes resultados. A conclusão: foi bom para o colaborador e foi muito bom para a empresa também. A liderança aprova o projeto, a nota que eles deram foi de 8.7, com 84,6% dos líderes falando que o projeto melhorou a forma de eles trabalharem, aumentou a produtividade e a eficiência”, revela Renata. Além disso, foram registrados impactos positivos na saúde física e mental, com 73,7% e 77,3% dos entrevistados avaliando como boa ou excelente, respectivamente.
Empregadores
Participante do projeto-piloto dos quatro dias úteis, Roberta Faria, CEO e cofundadora da Mol Impacto, optou pela implementação gradativa do modelo até dezembro, mas já percebe os resultados. “O que posso adiantar é que, ao final dessa primeira etapa, já foi possível identificar o impacto positivo da redução da jornada e estamos empolgados em tornar possível a implementação a partir de 2025. Há algum tempo, temos testado práticas na Mol, como a redução da carga horária de 44 para 40 horas, meio período sem reuniões para garantir a produtividade, além da flexibilização do presencial e da licença menstrual remunerada, e nada disso trouxe algum tipo de impacto negativo em nossas entregas ou no financeiro. Mas, sim, uma otimização de processos. Estamos construindo uma forma de trabalho mais eficiente, mapeamento de responsabilidades, comunicação objetiva, check-points mais frequentes entre equipes e maior autonomia, o que impulsionou a produtividade e a organização da equipe”, detalha.
Simone Cyrineu, CEO e fundadora da Thanks for Sharing, também integrante do piloto, acredita que o modelo 6x1 não atende mais às necessidades do mercado e que os modelos de gestão também devem se atualizar. Ainda, pontua que a decisão impacta não só a empresa ou os funcionários, mas toda a economia do país. “A gente tem que ampliar a visão de que o impacto disso não é só para a empresa contratante desse trabalhador, que vai desenvolver uma série de outras crises, e isso vai se refletir no sistema de saúde pública, na sua família, na educação dos seus filhos. Esse funcionário, num momento de lazer, também vai consumir no bairro nesse dia que não teria tanta venda. Então, tem uma economia que gira ali também ao mudar a escala e colocar as pessoas para fazer coisas que elas não fariam em outros dias. Tem a própria produtividade que você ganha ao rever o que está sendo feito e a forma como está sendo feito e, também, os próprios benefícios da outra face dessa moeda. Está na hora de movimentar a roda em outro sentido”, defende Simone.
Trabalhadores
Rafaela Carvalho, gerente de engajamento, está na semana de 4 dias desde janeiro e conta como era a rotina antes de participar do modelo. “A minha outra experiência profissional era trabalhando como autônoma, com freelancer. Então eu não tinha horário. Procurava trabalhar cinco dias na semana, mas acabava trabalhando também aos finais de semana e em feriados. Eu tinha mais autonomia, mas era muito mais exaustivo”, diz.
Sobre a perspectiva com a transição, ela ressalta o aumento da produtividade. “Nossa, eu sempre digo que é uma mudança instantânea na qualidade de vida. Então, eu observo melhor desempenho nas tarefas, sim. Você é obrigado a ser muito mais produtivo, porque a quantidade de entregas não diminui. Como você sabe que você está fazendo a sua melhor entrega possível, o momento do descanso é levado a sério também”, afirma.
Graziele Sousa, 25 anos, gestora de projetos, nunca trabalhou no regime 6x1, mas teve experiências com jornadas de 44 horas semanais, folgando aos finais de semana. “Conseguia, de certa forma, equilibrar o trabalho, mas o grande desafio era o deslocamento. Como moro no extremo sul de São Paulo, perto do Capão Redondo, passava cerca de 4 horas por dia no transporte público. Muitas vezes, precisei caminhar mais de 10 km quando havia acidentes na principal via da região, que ficava bloqueada. Foram cinco anos nessa rotina até que passei a trabalhar 100% em home office, o que trouxe uma melhoria significativa na minha qualidade de vida”
“Hoje, consigo ter uma relação mais equilibrada entre trabalho e vida pessoal. Acredito que é muito difícil manter a dignidade trabalhando seis dias por semana. É impossível cuidar da saúde, estar presente na vida das pessoas que você ama, e o cansaço acaba limitando suas opções de lazer e descanso. Acho que é um tema crucial, e espero realmente que o 6x1 seja abolido no Brasil para proporcionar uma melhor qualidade de vida para os trabalhadores”, defende Graziele.
“A expansão ainda é um desafio e precisamos combater mitos e crenças de que horas trabalhadas significa, necessariamente, produtividade. A gente trabalha igual desde a revolução industrial. As pessoas estão exaustas, sobrecarregadas e os índices de burnout, absenteísmo e licenças médicas estão muito altos. Reduzir a jornada de trabalho tem impactos positivos também nessa redução”, conclui Renata Rivetti, lembrando que as inscrições para o projeto-piloto estão abertas. Saiba mais no site 4dayweekbrazil.com.
"A transição para um modelo diferente do 6x1 é, em teoria, viável, mas exige uma adaptação robusta, incluindo negociações setoriais para que a mudança ocorra de forma prática e sustentável. A migração implicaria numa restrição das escalas, possivelmente exigindo aumento na força de trabalho e redistribuição de jornadas, o que poderia onerar as empresas a curto prazo, impactando em toda a cadeia produtiva. A alteração do sistema atual também impactaria diretamente o cálculo de horas extras, folgas e adicionais noturnos, alterando as rotinas de departamentos de recursos humanos e as relações contratuais entre empregador e empregado. Em última instância, uma mudança gradual, com suporte de regulamentações específicas para setores essenciais, pode tornar o processo mais seguro e minimamente disruptivo ao mercado de trabalho brasileiro". Watson Silva, advogado especialista em direito trabalhista.
"É preciso desmistificar que horas trabalhadas têm a ver com produtividade. A mudança melhora na percepção de equilíbrio entre vida pessoal e profissional e, com isso, maior dedicação ao trabalho, com mais foco e engajamento” Renata Rivetti, fundadora da Reconnect Happiness At Work.
Marina Rodrigues
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